Variantes do coronavírus tem provocado uma série de discussões na sociedade desde a detecção de uma variação da Sar-cov-2, a P.1, que foi encontrada primeiramente no Amazonas. Antes de entrar em qualquer debate, especialistas entrevistados por ACRÍTICA explicam como funciona o processo de mutação desses microrganismos e o que isso pode impactar nos rumos da pandemia.
A doutora em imunologia e pesquisadora aposentada do Instituto Butantan, Ruth Camargo Vassão, explica que a partir do momento no qual o vírus penetra nas células do corpo humano, ele utiliza a maquinaria da célula do hospedeiro para se replicar. Porém, ao longo desse processo, podem ocorrer erros de duplicação, e diferente dos seres humanos, os vírus não possuem mecanismos de reparo para os erros de duplicação das bases que constituem o seu material genético. Desta forma, originam-se as famosas mutações virais, que podem dar origem a uma nova variedade viral.
No caso das novas variedades do vírus SARS-CoV-2 detectadas no Brasil, Reino Unido e África do Sul, a preocupação é com a capacidade de transmissão viral aumentada adquirida nesse processo, pois embora ainda não hajam confirmações científicas que comprovem uma maior letalidade da P.1., a imunologista, alerta sobre a importância de manter os procedimentos de segurança sanitária enquanto a vacina não chega. “A situação em Manaus é desesperadora porque a transmissão da infecção viral está altíssima, o que ocasiona mais e mais mutações, pois quanto mais o vírus replica, mais mutações ocorrem e outras variantes podem aparecer”, contou.
O SARS-CoV-2 é um beta-coronavírus e há três ou quatro outros beta-coronavírus que circulam entre nós e só provocam sinais de resfriados comuns: secreção e congestão nasal, espirros e febre leve. Provavelmente no futuro, quando a vacinação atingir níveis ótimos, o SARS-CoV se tornará mais um e não nos causará nada além disso.
Embora hajam grupos mais suscetíveis a quadros graves de infecção pelo novo coronavírus, Ruth diz que ainda não podemos determinar com certeza porque algumas pessoas mais jovens e sem problemas de saúde sérios podem evoluir para casos graves da Covid-19. Isso pode ser devido a fatores genéticos individuais que dificultem uma resposta imune efetiva contra o vírus e/ou originar uma resposta imune exacerbada (como a já conhecida “tempestade de citocinas”).
Megaepidemia
Sem o controle sobre as novas variantes, em 60 dias o Brasil pode viver uma megaepidemia, foi o que afirmou o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista a TV Cultura na última semana. Madetta atribuiu a culpa à propagação da variante, devido transferência de amazonenses acometidos pela Covid-19, para Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) em outros estados da federação.
De acordo com a fala do ex-ministro, enquanto os países do mundo fecham as fronteiras para o Brasil, o país desloca pacientes do Amazonas sem articular uma barreira sanitária para controlar contaminações pela P.1. E por isso, em dois meses a nova cepa estará disseminada em todo território nacional.
A variante identificada em Manaus, de acordo com a pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade do Estado do Amazonas (UEA)e Infectologista, Maria Paula Gomes Mourão ganhou relevância internacional por não ter sido encontrada na primeira onda. Os primeiros relatos da P.1, surgiram em dezembro e já estava presente em 42% das amostras verificadas naquele período, evidenciando a rapidez na sua propagação. Porém a infectologista, não atribuiu a culpa do aumento do número de mortes à variante, mas sim a falta de preparação dos hospitais para receber uma quantidade tão grande de doentes simultaneamente.
Para ela “é uma questão de tempo para que o vírus se espalhe”, mas nem o Brasil, nem o Amazonas podem levar a culpa sobre a variante, pois “esse é um fenômeno natural da biologia dos vírus” que não respeitam os limites entre as nações determinados pelo homem.
“Não é o Amazonas que está exportando o vírus para o mundo inteiro, mas as pessoas que estão se movimentando, doentes ou não doentes, e levam o vírus consigo”, explica a infectologista.
Por isso, é importante manter as medidas de proteção e acelerar as vacinas.
Vacinas
As vacinas ‘high tech’ produzidas a partir de moléculas de RNA do vírus como a da Moderna e Pfizer/Biotech, devem ser usadas rapidamente, pois, segundo a imunologista, podem precisar de adequações às novas características genéticas das variantes do SARS-CoV-2 emergentes, apesar dessas adequações poderem ser feitas rapidamente com estas técnicas vacinais. Já as mais tradicionais como a Coronavac que utilizam os vírus inativados, não precisam sofrer adequações a cada variante que aparece, pois são feitas com partículas virais inteiras, e não somente com porções do vírus.
Em dois exemplos, Mourão ilustra as possibilidades acerca da eficácia da vacina contra a covid-19. O imunizante para combater vírus da gripe (o influenza), diz ela, a cada ano precisa ser revista devido às suas recombinações. Porém, o sarampo possui várias linhagens, mas a vacina continua sendo a mesma há mais de 20 anos.
“Com o coronavírus ainda é muito cedo para gente saber se vai acontecer uma coisa ou outra. O fato é que: se nós temos uma vacina e no momento e ela é eficiente, quanto mais tempo a gente demorar para vacinar, boa parte da população, mais chance estamos dando para que o vírus forme outras combinações”, alerta pró-reitora.
Texto: Giovanna Marinho – A Crítica